terça-feira, 31 de outubro de 2017

As Veias Abertas da América Latina - Eduardo Galeano


7º livro lido em 2017
Terminei de ler em 16/10/2017

A história da América Latina é feita de suor, dor, lágrimas, injustiça, trabalho, escravidão, exploração, dívidas e sangue, muito sangue. A riqueza do nosso continente, foi a nossa maior maldição. Por ser abundantemente rica em ouro, prata e diamante e diversos recursos naturais, inclusive petróleo, nenhum país do nosso continente pode comprar a felicidade, tão pouco a sua respectiva liberdade. Pelo contrário, encontrou na forja que produziu seu próprio grilhão de ferro, o desespero e agonia em escala continental por séculos em que se alegou, erradamente, que a América Latina foi “descoberta”.
A América Latina não foi descoberta, e sim conquistada. É paradoxal, em meio a tanta riqueza natural que durou séculos para se esgotarem, que o que se tem a relatar na história são genocídios, humilhação e exploração, um legado inteiro de derrotas. A honra e dignidade que houve, pertencem ao solo que abriga os heróis mortos, nos cenários relatados de luta, e com o tempo quase que estes caíram no esquecimento, pois foi desproporcional se compararmos as poucas conquistas com as inúmeras derrotas.
Mas salvo os relatos do brilhante uruguaio Eduardo Galeano, os registros dos esforços e as lutas dos povos e civilizações massacrados, e até extintos, estarão impressos nas páginas e perpetuaram na memória dos que assim lerem a história da América Latina, em as Veias Abertas.

Essa triste rotina dos séculos começou com o ouro e a prata, e seguiu com o açúcar, o tabaco, o guano, o salitre, o cobre, o estanho, a borracha, o cacau, a banana, o café, o petróleo... O que nos legaram esses esplendores? Nem herança nem bonança. Jardins transformados em desertos, campos abandonados, montanhas esburacadas, água estagnadas, longas caravanas de infelizes condenados à morte precoce palácios vazios onde deambulam os fantasmas. (p. 5)

Este livro, Eduardo Galeano terminou de escrever no final do ano de 1970. Nesse período, a ditadura já era uma realidade pós colonialismo em muitos países do nosso continente, financiada pelos Estados Unidos. Sete anos depois, o livro ganha, mais algumas páginas atualizadas sobre o que aconteceu desde que editara o livro para ser publicado pela primeira vez. Antes ainda, há alguns fragmentos no prefácio, que o próprio autor escreveu em 2010, que ressaltam a significância dessa obra. Eis um livro repleto de relatos e fatos históricos dos últimos 500 anos (mais ou menos) do continente sul americano.
Em um dado momento, em 2014, Eduardo Galeano renegou o livro, afirmando que não estava preparado na época para escrever um livro sobre economia política, afirmou que não conseguiria reler sua própria obra, na época em que fez estas declarações, porque os discursos de esquerda contidos nos livros não eram mais toleráveis ao seu entendimento. Alegando até que cairia no sono se tivesse que ler novamente. De fato, existe um momento do livro que fica muito densa a leitura. Principalmente metade para o final.
Creditei esse fator que o livro traz pelo excesso de informação e dado histórico que o autor insere para exemplificar mais na frente o que é de real relevância. Embora a tentativa de Galeano de rejeitar a própria obra, - por mais que o porquê disso nem ele mesmo tenha deixado muito claro em vida, pois Galeano faleceu recentemente em 20015 -  não tira o peso e a importância que o livro carrega em si, pois retratar ao mundo a visão na condição do colonizado é de suma importância sim, e a América Latina é a que melhor poderia dar essa elucidação, essa contribuição para a memória do mundo.
As Veias Abertas da América Latina é um livro explicitamente de esquerda, que critica a ideologia capitalista imposta à todas as civilizações que se tornaram colônias de Espanha, Portugal e Inglaterra, e mais adiante na história do progresso do capitalismo, os Estados Unidos. Assim é tido como de esquerda todas as mensagens nos relatos do livro, pelo próprio escritor inclusive, por ser anticolonialista, anticapitalista e antiamericano. 
 A América Latina é uma grande crise em si, gigante pela própria natureza, e seu “maior erro” foi ser “descoberta” pelo velho mundo como a terra detentora das maiores riquezas jamais encontradas até então. Riquezas capazes de cegar por cobiça o europeu do primeiro mundo, que desembarcaram e entenderam com o brilho nos olhos, reluzentes do ouro e da prata, sem muita demora, o real e estimado valor da América-Latina para o “mundo civilizado”. E assim foi permitido que a América-latina entrasse no mundo, só que pela entrada de serviço.

A América Latina é uma região do mundo condenada à humilhação e a à pobreza? Condenada por quem? Culpa de Deus, culpa da natureza? Um clima opressivo, as raças inferiores? A religião, os costumes? Não será a desgraça um produto da história, feita pelos homens e que pelos homens, portanto, pode ser desfeita? (p. 348)

Na nova etapa histórica que estava regendo a economia mundial, era alimentada basicamente pelas grandes navegações que partiam dos países do chamado primeiro mundo, em busca de produtos com alto valor de comercio na época. E nesse período – século XVI -  a Europa “precisava de ouro e prata” como afirma Galeano (2010. P. 51). O europeu descobrindo por acaso que haviam novas terras onde brotavam ouro e prata aos montes, onde o valor atribuído pelo velho mundo a esses metais, era desconhecido pelos povos que viviam no continente recém descoberto, facilitou o caminho para extração dessas riquezas, condicionando inevitavelmente à colonização todas as terras conquistadas desse novo mundo. Porém, Portugal e Espanha que colonizaram a América-Latina não ficavam com as riquezas extraídas. Boa parte do que se tirava de ouro e prata das colônias, inclusive do Brasil nesse período, não tinham como destino final Portugal e Espanha, a riqueza só transitava por lá e mais adiante parava nas mãos da Inglaterra e Holanda.


A Europa estendia seus braços para alcançar o mundo inteiro. Nem Espanha nem Portugal receberam os benefícios do avassalador avanço do mercantilismo capitalista, embora fossem suas colônias quem em grande parte, proporcionassem o ouro e a prata para nutrir essa expansão [...] Inglaterra e Holanda, campeãs do contrabando de outro e de escravo, que amealharam grandes fortunas no tráfico ilegal de carne negra, por meios ilícitos apossaram-se, segundo se estima, de mais da metade do metal que correspondia ao imposto do “quinto real” que no, Brasil era recebido pela coroa portuguesa. [...] O centro financeiro da Europa se deslocou de Amsterdam para Londres. (P. 50 - 83 – 84)

Essa exploração do ouro e da prata ocorreu através da escravidão e de muitas mortes, dizimando-se até civilizações indígenas, que já aqui existiam antes do descobrimento, como pode ser visto no capitulo “O Derramamento do sangue e das lágrimas; e, no entanto, o Papa tinha resolvido que os índios tinham alma”, onde Galeano afirma que:


A economia colonial latino-americana valeu-se da maior concentração de força de trabalho até então conhecida, para tornar possível a maior concentração de riqueza como que jamais contou qualquer civilização na história mundial.  [...]os índios das Américas somavam não menos do que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões. (P. 62)


O ouro e a prata permaneceram ainda por bastante tempo como os principais objetivos de extração dos colonizadores na América Latina. Porém, ao se darem conta da vantagem que poderiam obter também se aproveitando de iguarias raras na Europa, como o açúcar por exemplo, foi que uma nova etapa da exploração se arraigou no Novo Mundo.

Durante pouco menos de três séculos a partir do descobrimento do América não houve, para o comércio da Europa, produto agrícola mais importante do que o açúcar cultivado nestas terras. Multiplicaram-se os canaviais no litoral úmido e quente do nordeste do Brasil, e depois também nas ilhas do Caribe: Barbados, Jamaica, Haiti, Dominicana, Guadalupe Cuba e Porto Rico. Também Veracruz e a costa peruana se mostraram sucessivos cenários favoráveis à exploração, em grande escala, do “ouro branco”. Imensas legiões de escravos vieram da África para proporcionar ao rei açúcar a numerosa e gratuita força de trabalho que exigia: combustível humano para queimar. As terras foram devastadas por essa planta egoísta que invadiu o Novo Mundo arrasando matas, malversando a fertilidade natural e extinguindo o húmus acumulado pelos solos.   (P. 87)

Foi longo e devastador o ciclo do açúcar na América Latina. A exploração da monocultura deixou por muito tempo as terras improdutivas em diversas colônias. Isso sem mencionar no aumento demanda por escravos africanos para trabalharem na produção agrícola. O açúcar sendo uma iguaria de preço elevado na Europa, passou a ser de interesse dos países do primeiro mundo, um modo de obter a o controle da produção, visando evidentemente os lucros com a dominação deste mercado. A Holanda, forte potência, chegou a invadir o nordeste brasileiro em 1630, com o intuito principal de aprender os conhecimentos técnicos para a produção de açúcar. Porém os holandeses foram expulsos, mas levaram consigo o conhecimento da produção de açúcar para as Antilhas, propagando em nome da obtenção de lucro, a exploração, a pobreza e a miséria em outras terras da América Latina. A exploração do açúcar chega até o século XX, onde em Cuba acontece a revolução com o intuito de acabar com a devastação que a exploração do açúcar culminou. Houve o ciclo da borracha, onde no Brasil se concentrava a maior reserva de borracha que existia até então. Mas como a técnica do açúcar, a técnica para obtenção da borracha foi levada do Brasil, só que dessa vez pela Inglaterra, fazendo com que o Brasil não fosse mais o único polo produtor de borracha. O cacau e o café também tiveram sua vez nas explorações agrícolas.


Como a cana-de-açúcar, o cacau trouxe consigo a monocultura e a queimada das matas [...] O café trouxe consigo a inflação para o Brasil; entre 1824 e 1854, o preço de um se multiplicou por dois. Nem o algodão do Norte nem o açúcar do Nordeste, esgotados já os ciclos de prosperidade, podiam pagar aqueles caros escravos. O Brasil se deslocou para o Sul. Além da mão de obra escrava, o café usou os braços dos imigrantes europeus, que entregavam aos proprietários metade de suas colheitas num regime a meias que ainda hoje prevalece no interior do Brasil. (P. 128 – 134)

A mentalidade de monocultura implantada na América Latina, não trouxe benefícios para nenhum país da América Latina, o que foi deixado foi um legado de anos de terras improdutivas, advindas do período da escravidão, e deixando no presente milhares de pessoas em situação de miséria. 
O legado deixado na mentalidade burguesa latino-americana, desde as épocas de colônia, foi a de que tudo que é estrangeiro é bom, e o interno é de pouco apreço. Esse infeliz critério proporcionou ao imperialismo as condições necessárias para disseminar ainda mais as influências nas colônias pós independentes. Não houveram resistências ideológicas, mesmo em meio a tantas derrotas, perdas de vidas e riquezas naturais. Aos países do chamado primeiro mundo, foi deixado todas as portas abertas por aqueles que aqui se mantinham no poder. A América Latina, não muito longe, encontrou em sua independência a própria dependência, conforme Galeano (2010. P. 159) afirma: “Frustração econômica, frustração social, frustração nacional: uma história de traições seguiu-se à independência, e a América Latina, despedaçada por suas novas fronteiras, continuou condenada à monocultura e à dependência. ”  Diferente do que aconteceu com a economia na América do Norte, que após a independência se voltou para o mercado interno, assim se fortificando; os detentores do poder na América Latina não se preocupavam em abastecer o mercado interno. Explica Galeano (2010. P. 130) “Essas circunstâncias explicam a ascensão e a consolidação dos Estados Unidos como um sistema economicamente autônomo, que não drenava para fora a riqueza gerada em seu seio. ” Assim, a falta de controle/interesse da própria regulação de mercado fez com que o poder político latino-americano fosse facilmente corrompido e manipulado.


A América Latina teve em seguida suas constituições burguesas, muito envernizadas de liberalismo, mas não teve, em troca, uma burguesia criativa, no estilo europeu ou norte-americano, que assumisse como missão histórica o desenvolvimento de um capitalismo nacional pujante. As burguesias destas terras nasceram como simples instrumentos do capitalismo internacional, prósperas peças da engrenagem mundial que sangrava as colônias e as semicolônias. Os burgueses de vitrine, usuários e comerciantes que arrebataram o poder político, não tinham o menor interesse em impulsionar a ascensão das manufaturas locais, mortas no ovo quando o livre-câmbio abriu as portas para a avalanche de mercadorias britânicas.  (P. 158)

A ganância pelo capital estrangeiro corrompeu a elite social. Seduzidos pelas obtenções de lucros que a promessa do livre comércio trazia, não houve imposição quanto as negociações desfavoráveis que ao invés de desenvolver, acabava chancelando o subdesenvolvimento da América Latina.

Não conhecia sobre este livro, passei a me dar conta de sua grandeza e importância através das aulas de Administração de Crises que estou tendo na faculdade. Sou estudante de Relações Públicas. Acredito que a importância desse livro para o campo de estudo da comunicação corporativa está justamente no texto de Galeano que relata os abusos cometidos em nome do capital predatório e desumano, que ceifou milhares de vidas, o autor ajuda a mostrar ao leitor até que ponto a busca incessante pelo progresso e pelo capital, faz com que sejamos inescrupulosos com próprio gênero humano.
Acredito que exista um paralelismo que pode ser traçado nos relatos do livro, entre o que deu errado na história da América Latina - onde a preocupação com a obtenção de lucros irrestrito dos colonizadores fez com que estes passassem por cima de tudo e de todos - e no atual mundo globalizado das corporações, onde muitas vezes para a maximização de lucros, as empresas se eximem de valores e princípios éticos e morais, na maioria dos casos gerando um cenário de crises que podem afetar milhares de pessoas.
Nas palavras do próprio autor “Não tem riqueza que não seja inocente. Toda riqueza é nascida de alguma pobreza”. Se no passado era comum os abusos praticados pelas nações colonizadoras detentoras do capital e pela hegemonia que regia a ordem econômica naquela época, hoje na globalização existe uma vigilância no mundo que denuncia esses abusos aos órgãos reguladores das nações, principalmente porque a palavra de ordem no planeta é Sustentabilidade, nos âmbitos econômicos, social e ambiental.

Agora é a vez da soja transgênica, dos falsos bosques da celulose e do novo cardápio dos automóveis, que já não comem apenas petróleo ou gás, mas também milho e cana-de-açúcar de imensas plantações. Dar de comer aos carros é mais importante do que dar de comer às pessoas. E outra vez voltam as glórias efêmeras, que ao som de suas trombetas nos anunciam grandes desgraças. (p. 6)

Na atualidade a interpretação deste livro pode se dar, na ótica das Relações Públicas, com o olhar de aprendizado para o passado, para que se construa no presente o futuro mais harmônico, equilibrado e consciente, de respeito nessa nova era do capitalismo. No ponto de vista humano de um latino americano, não há como mudar o passado, mas há como aprender muito com ele no presente, assim como se aprende muitas lições quando se passa por uma grande crise. Aprender sobre como capitalismo se abateu sobre nossa história ajuda a compreender que hoje, nesse "novo mundo" das relações na globalização, há um novo capitulo para criar ou renovar a nossa história, nossos valores.

 Nestas terras, não assistimos à infância selvagem do capitalismo, mas sua decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É a sua consequência [...] E porque na história dos homens cada ato de destruição encontra sua resposta, cedo ou tarde, num ato de criação. (p. 372)

A riqueza da América Latina não deixou herança, e sim alimentou esperança nas angustias das desesperanças das civilizções que aqui foram dizimadas. Se nossas riquezas naturais nos condiciou séculos de miséria e pobreza, na atualidade, podemos transformar os erros dos passados em memória viva em nosso intelecto. A prosperidade veio através de sucessivos erros, erros que em menor ou quase imperceptivel escala, afeta ate a minha e sua contemporaneidade, hoje, onde aqui vivemos. 
Leiam, reflitam e principalmente conheçam a nossa história. 

Artur César
Post Scriptum 
neste 01/11/2017

domingo, 22 de outubro de 2017

O Estrangeiro - Albert Camus


6º livro lido em 2017
Terminei de ler em 04/07/2017

“(...) O que significa o despertar súbito – nesse quarto obscuro – com os barulhos de uma cidade de repente estrangeira? E tudo me é estrangeiro, tudo, sem um ser para mim, sem um só lugar onde abrigar essa mágoa. O faço aqui, o que significam esses gestos, esses sorrisos? Não sou daqui – também não sou de outro lugar. E o mundo não é mais do que uma paisagem desconhecida onde meu coração não encontra mais apoio. Estrangeiro, quem pode saber o que essa palavra quer dizer. ”* 
Albert Camus.

O Estrangeiro é o segundo livro de Albert CamusTenho resenha sobre o primeiro livro que li dele aqui no blog. Pesquisando um pouco mais sobre a vida de Camus, pude constatar que além de ser de origem argelina (fato que eu já sabia), Camus era de origem muito pobre. E Camus ainda na infância teve um professor que ajudou ele dando bolsa de estudo para que ele pudesse continuar os estudos. E deu muito certo esse incentivo pois esse professor acabou ajudando a construir a formação de um dos maiores escritores franceses do século XX.

Encontrei algumas datas diferentes de publicação do livro, nesta edição da editora Record que tenho, data de 1957. Camus também trabalhou como jornalista enquanto esteve na Argélia. Como na Argélia não conseguia trabalho, Camus vai para Paris. E em Paris, Camus se sente estrangeiro, onde ele relata isso em um diário. A partir daí dá para começar a entender o porquê da obra O Estrangeiro, por Camus não se sentir pertencente à Paris, cidade onde ele escreve o livro. Mas O Estrangeiro é um livro que ajuda Camus a ser reconhecido.

O Estrangeiro é um livrinho bem pequeno em número de páginas, porém é uma obra muito complexa. A complexidade é nítida porque ao acabar de ler, seria e é difícil dissertar/falar sobre ele, se nos fosse assim pedido. A forma como a narrativa é construída, acredito que dá a cada leitor opções subjetivas de interpretações. A escrita narrativa de Camus meio que não te auxilia a um objetivismo explicito, tive bem essa impressão. É como se ele quisesse mesmo que você refletisse sobre quão raso ou quão profundo é o personagem principal, Mersault. Melhor ainda, quão absurdo é condição de Mersault. Por um lado, isso te da possibilidades de reflexões e pensamentos das coisas que acontecem, por um outro o livro é capaz de angustiar quanto essas reflexões que você chega e também pelas que talvez você nem alcançou, mas que sabe que há algo ali a ser pensado sobre. Me refiro sobre a vida desse ser estranho que é Mersault.  Louco isso.

Mersault parece que quer ou gosta de se manter alheio a tudo que lhe acontece na vida, ao seu redor. É como se o personagem estivesse o tempo todo ligado no automático, respondendo apenas aos estímulos como por exemplo de fome, dor, desejo. Onde apenas age porque tem que agir, e dentro dessas ações a percepção, lendo, é que em tudo há uma ausência de sentido. Acredito que amortecido, é uma expressão que classificaria bem Mersault. Amortecido com os acontecimentos. Logo no começo do livro dá para se ter essa impressão, pois o livro já começa com a morte da mãe de Mersault, e que o mesmo conta que não tem muita certeza se foi ontem ou hoje esse acontecido. Assim, ele tem que cuidar dos preparativos para o velório e sepultamento da própria mãe. E Mersault vai relatando isso de maneira muito protocolar, dando aquela sensação de que não há um abalo aparente ou superficial dentro dele com a notícia da perda da mãe e dos afazeres para o cortejo. 

O desconforto que Mersault tem é mais em como se comportar no velório, e não na dor da perda da mãe. Mas ao mesmo tempo, essa não transparência de sua dor, não prova que seja realmente insensível. Acredito que seja isso que Camus quer fazer com que o leitor reflita sobre essa estranheza de lidar internamente com os sentimentos, ou como não lidar com eles, se no caso se interpretar que Mersault é de fato um insensível. Se sim, se Mersault no fundo sofre internamente com a perda da mãe, que maneira incomum de lidar como sofrimento, sem choro, uma maneira particular de sofrer.

Após o evento do enterro da mãe, Mersault conhece uma moça na praia e se envolve com ela. Mersault começa a se relacionar com seu vizinho, com quem ele começa a ter uma amizade. Esse vizinho é um cara meio problemático, que conta para Mersault que tem umas desavenças com uns árabes, que também moram na mesma região em que eles vivem. Mas Mersault parece não se importar com essas coisas que vão acontecendo, totalmente indiferente. Para Mersault, tudo é "tanto faz". 

O clímax se dá quando Mersault e seu vizinho estão em uma praia, com o sol bem forte, e avistam os árabes com que seu amigo tem desavenças. Cria-se uma tensão na situação. Esse amigo e Mersault está armado, porém eles não chegam a se confrontar até então com os árabes, e vão embora. Mas acontecem algumas coisas e Mersault acaba ficando com a arma de seu amigo e volta a caminhar na areia sob o sol escaldante e de novo encontra com o principal árabe, aquele quem seu amigo tem a tal desavença, e cria-se novamente essa tensão de embate. Mersault acaba mantando o árabe com quatro (ou cinco tiros). Então Mersault é preso e vai a julgamento onde é condenado a morte, mas não dá para saber se de fato ele morre no fim do livro. Mas nessa prisão é que acontecem muitas reflexões sobre o personagem e que é meio difícil fazer julgo do que realmente é, ou não é acerca de Mersault. Mersault é o absurdo. Isso é algo que Camus, pelo que ja percebi lendo essa segunda obra e outros artigos, gosta de retratar, temas como: o absurdo; enclausuro; ausência de sentido; suicídio e morte.

O Estrangeiro é uma obra literária filosófica existencialista. Uma das obras mais importantes da literatura francesa. Camus sempre despertou minha curiosidade e O Estrangeiro foi um livro que aguardei muito para ler, talvez tenha lido no momento certo da minha vida pois se tivesse feito isso mais cedo, com certeza não conseguiria captar as impressões que relatei aqui. O Existencialismo sempre me despertou profundo interesse, é uma das correntes filosóficas que tenho grande apreço, simplesmente porque muitas dos meus textos em poesia, eu procuro atribuir as minhas próprias questões existenciais de vida. Camus é um excelente escritor, gostei muito de ter lido O Estrangeiro, e de poder ter tirado e retratado aqui todas as minhas impressões sobre essa obra.


*Cadernos III – A Guerra Começou, Onde Está a Guerra? Editora Hedra. 2014. P.57

Artur César
Post Scriptum
neste 22/10/2017



sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O Apanhador no Campo de Centeio - J. D. Salinger


5º livro lido em 2017
Terminei de ler 30/06/2017

Este foi um livro que sempre tive curiosidade de ler, até evitava de ler sinopses ou resenhas porque não queria fazer ideias sobre o livro. E não imaginava que era narrado por um adolescente de 16 anos, Holden Caulfield, e nem que a história se ambientava em New York. O autor, J. D. Salinger constrói uma obra que é toda contada a partir da mente/visão de um adolescente, fazendo com que a linguagem que é narrada seja extremamente simplista, fácilmente de ser assimilada e compreendida. Já entendia que O Apanhador no Campo de Centeio, se tratava de um clássico moderno do século XX, mas após o termino de minha leitura, pesquisando sobre, entendi porque este livro é um marco na literatura moderna pois foi um dos primeiros a retratar a vida cotidiana através do ponto de vista de um adolescente americano. Salinger escrever essa magnifica obra, justamente num momento de transição de valores da cultura urbana americana, no pós Segunda Guerra, onde os EUA começam a deixar de ser um país altamente conservador. É neste contexto que o adolescente Holden esta inserido, buscando viver suas experiências.

Existe no jovem protagonista aquele medo muito comum acerca do futuro, onde imperam os pensamentos de rejeição da sociedade, um introspecção que não permite uma visão ou expectativa de se inserir dentro da sociedade. Uma busca de fuga e não de enfrentamento. O nome do livro, O Apanhador no Campo de Centeio, é justificado quase no fim do livro, e ajuda a entender um pouco o psicológico de Holden, pois este tem a vontade de que as coisas não mudem no tempo em que ele esta, pois ele quer que tudo permaneça. É traduzida a vonta de Holdens querer ser Apanhador no Campo de Centeio, de uma música, quando ele canta para sua irmãzinha - a quem ele tem profundo apreço no livro, e que acabada corrigindo ele que interpretava a letra erradamente. E a justificativa da intenção que querer ser esse apanhador é a de salvar as criancinhas para que não caiam dos montes de centeio. Ou seja talvez única expectativa que Holden de fato tenha, é a de querer salvar as crianças. Pode se enxergar implicitamente no próprio o Holden um medo particular da vida. 

Adolescente bem chato e irritante, diga se de passagem, mas que é extremamente fundamental para retratar a verossimilhança da obra, pois é em todos os conflitos internos e externos que pelo qual Holden Caulfield passa que torna esse livro um real marco. Em algum momento lendo a saga rebelde de Holden, se torna impossível não se identificar com algo ao qual o narrador pensa, passa e acredita ser verdade. Rola um certo ar de curiosidade nostálgica na leitura, ao menos eu senti, e acredito que isso me fez devorar este livro em apenas um dia.

Ao final do livro, a gente consegue entender que todo o relato de Holden é um exercicio psicologico, de contar a sua experiencia. A clássica cura pela narrativa.
A história do livro se passa por Holden ser um adolescente totalmente desajustado, criado numa família de classe média alta, e que acaba de ser expulso de mais um colégio por ter sido reprovado em quatro de cinco matérias. E então ele decide fugir, também para não encarar os pais. E a história narrada por ele, gira em torno de um final de semana que ele escapa do colégio e passa por diversas situações bem incomum para um adolescente da sua idade, em um centro urbano. Para a época de 1950 - periodo em que o livro foi escrito e publicado - a linguagem do livro e as atitudes do personagem, eram bem inovadoras, pois muito das revoluções culturais que aconteceram no mundo, começaram a acontecera posteriormente na década de 60. Então Holden e o Apanhador no Campo de Centeio eram bem polêmicos.

Gostei bastante de conhecer essa obra e entender a significancia dela para a literatura mundial. 
O Apanhador no Campo de Centeio com certeza é um clássico que ficará eternizado pois ele, atraves de uma narrativa bem simples, consegue alcançar questões psicologicas bem profundas.
Recomendo para quem leiam ao menos uma vez na vida essa obra, vale muito a pena.

Artur César 
Post Scriptum
Neste 20/10/2017

quinta-feira, 29 de junho de 2017

O Animal Agonizante - Philip Roth


4º livro lido em 2017
Terminei de ler em 27/06/2017

Logo de cara, quero dizer que este foi o melhor livro do Philip Roth que já li. Sensacional, visceral, pungente, capaz de provocar a real náusea em quem se limita a acreditar que a verdade/realidade intrínseca da vida humana é linda, e de que no fim, o destino esconde pra todos nos um romance digno de ser contato/compartilhado, pelo simples fato de nos auto-jurgamos como merecedores, hahaha. AMEI LER ISTO, MUITO MESMO, SUPEROU MINHAS EXPECTATIVAS. Expectativas essas que surgiram com a versão filme desta estória. já Advirto que é um livro que tende a causar asco em quem procura a pautar a vida pelos padrões convencionais, "da ordem natural das coisas", me refiro a exatamente quanto casar, ter filhos e envelhecer e feliz para sempre. Admiro muito Roth por esta autenticidade, sinceridade com seus livros escritos, pelo menos com os outros dois que identifiquei isso nele: O Complexo de Portnoy; Homem Comum. Minha curiosidade por Philip Roth surgiu justamente pelo filme Fatal (Elegy, 2008) ao qual o roteiro foi adaptado a partir deste livro.

E como já e normal, a obra literária original é sempre mais completa que a cinematográfica, não que o filme seja ruim, pelo contrario, lembro que adorei o filme quando vi, os personagens principais interpretado por Ben Kingsley e nada mais nada menos que a musa Penélope Cruz. Lembro que me encantei pelo do roteiro do filme, achei altamente genial quando assisti alguns anos atrás, e nos créditos entendi que o roteiro fora adaptado do livro O Animal Agonizante. Eu praticamente virei o animal agonizante, vasculhando sebos e livrarias de São Paulo atrás deste, e quando já nem procurava mais, eis que encontro este belo e único exemplar em vermelho carmim, dando sopa na estante da Livraria Cultura da Av. Paulista enquanto espero uma atendente da loja ficar disponível para pesquisar um outro livro que procurava. Dado interessante que acabei de descobrir é que depois de ler O Animal Agonizante, é que este livro é continuação de um outro livro de Roth que eu já tinha, O Professor do Desejo, ou seja, inverti as ordens, mas ok.

David Kepesh é o personagem principal da obra, é um critico e professor acadêmico - celebridade, na faixa dos sessenta anos - que apresenta um programa cultural na televisão. Erudito e bon vivant, David é uma figura respeitada pela imagem que transmite tanto na faculdade quanto ao publico que o assiste. Porém David, procura não se envolver com suas alunas, até que elas se formem e não possuam mais vínculos acadêmicos com eles. É através das festas que David dá em seu apartamento que as coisas começam a "florir em seu jardim", onde a curiosidade juvenil feminina começa a querer reconhecer o território do refinado homem maduro. David se aproveita de seu status sim para conseguir o que deseja das alunas que quer.

David é um homem no topo da maturidade, tanto em anos quanto em intelecto, em lembranças, se sente consternado por um dia ter se dobrado de joelhos por um casamento que não deu certo, e que lhe rendeu a origem de seu algoz, o próprio filho, que acusa David de ser o pai ausente, o fruto de casca linda perante a sociedade, mas com o sumo podre, incapaz de manter e amar a família que criou. David por sua vez, não se sente culpado pelas escolhas que fez na sua vida, não se sente culpado por ter escolhido sua liberdade, prefere ela (liberdade) ao enclausuramento de um casamento enfadonho e opta, ainda novo, por abandonar mulher e filho.

David é um cara totalmente avesso as convenções tradicionais de dogmas sociais, como casar e ter filhos, ele abomina veementemente essa ideia. Sendo uma pessoa bastante profunda, um erudito fodido, David prefere se ater com que lhe é real, o desejo. É um sujeito sensível sim, capaz de dissertar sobre grandes obras literárias e musicais, mas sobre tudo se sente com a responsabilidade de ser honesto a si mesmo, e de buscar suprir o que anseia. David é um privilegiado por ter sessenta e poucos anos e ainda ser consumido pelo tenro desejo. 

Mas é quando David conhece Consuela que seu mundo vira do avesso, o desejo se transforma em obsessão, paranoia, neuras infundadas. Consuela de fato transforma David em um animal, um animal que agoniza, que agoniza na constante incerteza, na vontade utópica de um renomado magistrado, tutor, que quer estar a par de tudo que acontece na vida de sua amada ex-aluna. Consuela com vinte poucos anos, tem total poder de controle sobre David, e não é o intelecto que proporciona isso, mas sim seu corpo, sobre tudo os seios de Consuela, o encontro do corpo nu de Consuela com os olhos e a vontade de David, gera uma força que a moça não é totalmente capaz de dar conta, mas é capaz de fazer alguma menção quanto ao poder que tem advindo sua jovialidade, do corpo lindo e perfeito. 

O sumo da história oscila entre a erudição de David e a constante perca de si para a paixão incontrolável que sente por Consuela. Razão x Desejo. Philip Roth, em menos de 150 páginas, exprimi maravilhosamente este embate ao qual estamos todos suscetíveis a perca, seja em que fase da vida for. Sentir-se vivo em nome do desejo é o que praticamento todos nos almejamos, mas sentir-se livre dos desejos... provavelmente nunca alcançaremos essa graça antes da morte.

Artur César
Post Scriptum
Neste 29/06/2017 (04:25)

quarta-feira, 28 de junho de 2017

1984 - George Orwell


3º livro lido em 2017
Terminei de ler em 23/02/2017

Já faz alguns meses que conclui a leitura de 1984 mas com as atribulações do primeiro semestre, estou registrando agora as minhas impressões sobre o livro. 1984 foi o segundo livro que li do George Orwell, não muito tempo atrás li A Revolução do Bichos, que trata praticamente do mesmo tema desse já consagrado clássico da literatura mundial. Comprei o meu exemplar na bienal de 2014, estava esperando muito pra poder ler este livro, mas, só consegui fazer isso no comecinho de 2017. Este é o segundo romance distópico que leio esse ano, e ao que me lembro conclui a leitura em uma semana. Apesar da leitura fluir bem, não achei um livro, digamos, simples de ser devorado, porque eu não imaginava que 1984 fosse algo tão denso.

Orwell escreve o livro pós Segunda Guerra, em 1948, e pelo que andei pesquisando, ele leva cerca de três anos para concluir a obra. Quem já leu a Revolução dos Bichos, e sacou que a fábula é uma crítica aos regimes totalitários, sobre tudo ao stalinismo, vai sacar que 1984 é muito mais completo como obra de ficção futurística (meio que profética), onde a história sombria se passa no mundo que é dominado por três grandes potencias, Oceania, Lestásia e Eurásia que vivem em constante guerra. Uma das coisas que é muito genial neste livro é justamente a atmosfera em que os personagens vivem, num regime totalitário, totalmente regulado e observado pela figura do Grande Irmão (Big Brother) que tudo filma através das Teletelas, e que servem para informar sobre propagandas do Estado. Logo a privacidade não é algo comum para as pessoas que são vigiadas a todo momento. Owerll foi muito profético e assertivo quanto esse futuro da  humanidade, assustador. Este Estado regula até a criação de novas palavras, um novo vocabulário chamado Novafala (ou Novilíngua, como aparece em algumas traduções), criando novos sentidos e significados para controlarem o que os cidadãos terão que pensar e consequentemente dizer. Uma sociedade totalmente castra a liberdade de expressão e pensamento, onde não há oposição, pois o próprio Estado se antecipa liquidando tudo e todos ao menor sinal de ameaças.

O personagem principal, Winston Smith, é um homem de meia idade que trabalha no Ministério da Verdade, ministério esse que serve para controlar a história, reescrevendo de acordo com os interesses que o favorecem - ministério da mentira. Então o papel de Winston é apagar os dados que desfavorecem o partido totalitário. O lance engraçado é que todos os ministérios representativos que existem são todos antagônicos aos reais propósitos que deveriam representar pela sua respectiva nomenclatura, por exemplo, Ministério da Verdade é responsável pela mentira; Ministério da Paz é responsável pela guerra, etc. Tudo isso sobre a rege do lema do partido:


Guerra é Paz
Liberdade é escravidão
Ignorância é força

Winston é o ser que possui o gérmen da indagação e questionamento nesse universo caótico regulado pelo Estado, e certo dia Winston decide comprar um bendito diário para externar suas "inoportunas idéias". Winston consegue escrever as coisas que lhe surgem na sua mente, escondido das Teletelas. Sendo agora um transgressor das regras do jogo, Winston começa a entrar em estado de vigília, e por pura especulação ao observar um membro do partido com cargo bem elevado, supõe que o mesmo pode compartilhar de afinidades como suas indagações, porém Winston mal sábia em que merda estava se envolvendo. No meio dessa confusão paranoica Winstons conhece Júlia, uma jovem rebelde com quem ele começa a se relacionar e que acaba sendo influenciado mais ainda a subverter as imposições do Estado. Nessa sociedade, relações afetivas era algo proibido, e o sexo era exclusivamente para procriação.

Assim Winston e Júlia começam a ter relações sexuais que acaba progredindo para uma relação amarosa, tendo como pano de fundo as dificuldades de se manter algo assim num regime em que até a tentativa de leitura de pensamento é usado para manter a "ordem". O que tenderia a dar merda acaba dando realmente, e dá muita merda. E é aqui que o livro fica realmente tenso e bastante denso, pois descoberto o envolvimento amoroso dos dois, estes começam a passar por uma série de torturas para que sejam corrigidos e serviam de exemplo para quem mais pensar/ousar transgredir as regras do Estado. Pois se o Estado lhe disser que 2+2 são = 5, você tem que acreditar, se convencer de que essa mentira é verdade.

Enfim, o livro não têm um final muito positivo ou promissor, ao fim, o Estado ganha ao "corrigir" seus erros nos membros em que insistem em se desvirtuar. Winston e Julia acabam sendo domesticado através da tortura e do medo, passam a compreender que o Grande Irmão é tudo o que há de autoridade máxima em suas vidas, e que as leis, são verdades absolutas. 1984 é um livro bem diferente do que eu imaginava, pois não há esperanças para "os loucos" que nutrem o gérmen do questionamento e da liberdade de pensamento. É uma leitura que pode levar vários dias para ser digerida devidamente, mas com certeza uma leitura densa e forte para não ser esquecida. Não a toa, não tem 100 anos, e já é um clássico da literatura mundial, conceituado em importância e significância.

Artur César
Post Scriptum
Neste 29/06/2017

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O Leitor - Bernhard Schilink



2º livro lido em 2017
Terminei de ler em 05/01/2017

Hannah Arendt tem uma frase que diz: "Toda dor pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história". Foi o que me veio na mente enquanto eu sentia o nó na garganta ao terminar de ler essa linda e triste história. Pelos sebos do centro de São Paulo, encontrei esse livro em perfeito estado. Me lembrei na hora do filme que havia visto alguns anos atrás e que me emocionou bastante. Não exitei em separar para leva-lo, e com certeza foi uma das melhores aquisições que fiz no ano passado. Eu simplesmente amei ler este romance de Bernhard Schilink. Gostei tanto que também li em um único dia. 

Achei o conteúdo deste livro de uma delicadeza e de uma intensidade tremenda, de certo enquanto lia, me lembrava de algumas cenas do filme que vi tempos atrás, mas acabei de rever o filme após ler  O Leitor, e novamente, a escrita, na minha humilde concepção superou a dramaturgia, olha que o filme é bom pra caramba e ainda tem a lindíssima - e uma das minhas atrizes preferidas - Kate Winslet. A escrita de O Leitor é algo bem simples e extremamente prazeroso de se ler, pelo menos foi pra mim. A mim este romance contemporâneo (ao pouco que pesquisei o livro foi escrito e publicado na década de 90) é de uma originalidade tremenda, muito verossimilhante.

Fiquei com a ligeira impressão ao longo da leitura que este romance poderia ter sido inspirado também nos relatos de Hannah Arendt sobre o caso do julgamento de crimes de guerras, cometidos por  um ex nazista, que causou uma enorme discussão filosófica e processual com a publicação de alguns artigos, pois a filosofa Hannah Arendt, por quem tenho admiração, e que era judia, acaba comprando uma briga com a comunidade judaica quando exprime seu pensamento intelectivo de que é o nazista em questão era somente um "pau mandando" da alta cúpula do governo totalitário alemão na Segunda Guerra. Isto é até retratado no próprio filme que conta a história da filosofa.

Uma coisa que me deixou feliz nesse livro é que tem uma parte, logo no começo em que o personagem principal, e narrador da história, Michael Berg faz uma referência e um outro romance que amo: O Vermelho e o Negro de Stendhal. É algo bem rápido e coloquial, mas que me deixou contente. Ah outra coisa é que muitos escritores são citados, dentre eles os românticos alemães Schiller e Goethe. Eu como leitor tenho um amor incondicional por Goethe.

Dizia antes da verossimilhança dessa ficção, pois a mim ela se dá justamente por ser uma história triste e de certo modo trágica, algo muito comum que existe aqui fora, em uma coisa chamada: mundo real. Hanna Schmitz personagem em que o drama todo gira em torno, é a suma essência dessa obra, pois tive para comigo que Hanna é apenas vítima de uma vida que não lhe deu oportunidade de se instruir. No livro, não é dito se ela em suas escolhas do passado, que fadaram mais no futuro em sua desgraça, são premeditadas, o que ao meu ver e opção de interpretação, a faz ser no fundo, um ser super inocente e simplório, mesmo compactuando com o maior desastre da história da humanidade o Holocausto. Hanna a mim, é vitima das consequências de suas próprias limitações, e o que é pior, por se envergonhar de sua condição, que a impede não só de escrever, mas de se dar conta dos absurdos elegidos por ela mesma em nome desta vergonha, e que irá lhe custar uma vida inteira para reparação. 

Mas é interessante no romance que, mesmo Hanna, uma mulher 32 anos, sendo esse ser simples e solitário e inocente, é capaz de ajudar a construir uma precoce maturidade em Michael Berg que tem 15 anos quando começa a se relacionar com ela. Os dois se ajudam e um acaba engrandecendo um ao outro na convivência. É lindo o amor de Hanna por aquilo que não pode usufruir por conta própria, a leitura, e que Michael é capaz de proporcionar a ela esse deleite. Eis a sensibilidade e toda intensidade da história nesta parte, pois isso acaba sendo a base da construção de vida de ambos. O drama para ser o drama completo, precisa antes ter algo de belo e puro para ser destruído, e é assim com a paixão de Hanna e Michael, e é assim com a inocência de Hanna cuja uma escolha errada quando mais nova a fez perder sua liberdade, a juventude e principalmente a vida. É triste a condição ignorante de Hanna, como é triste o dever de Michael, que o colocam num impasse que transforma toda sua vida, ou melhor que transformam a vida de ambos.
  
Foi difícil não me emocionar com O Leitor, amei ler esta história que me tocou de uma forma forte e que vou ficar processando isso por muito tempo. Foi com certeza um dos melhores livros que li na minha vida, e que pretendo nunca mais me esquecer, nem de Michael e principalmente de Hanna.

Artur César
Post Scritpum
neste 06/01/2017

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Fahrenheit 451 - Ray Bradbury


1º livro lido em 2017
Terminei de ler em 04/01/2017


Acabei lendo Fahreinheit 451 enquanto lia um outro livro, não que este que estou lendo seja chato, mas acontece que a obra de Ray Bradbury é de uma escrita tão fácil e instigante que comecei e termine de ler este livro no mesmo dia. Foi uma das últimas aquisições de 2016, comprei por impulso motivado à algumas indicações sobre esse livro, e confesso que valeu muito a pena.
É um livro muito fácil e cativante, daqueles que lemos curiosos em saber o que mais o personagem principal irá se meter. Fahrenheit 451 trata-se de uma distopia futurística (detalhe o livro é escrito pós Segunda Guerra, 1953), com uma trama bem construída e altamente reflexiva. 
Ao que percebe-se a história se passa nos EUA, porém, a cidade, não é mencionada.
O personagem principal da história é o bombeiro Guy Montag, que vive em um regime estatal totalitário. Neste futuro os bombeiros já não possuem mais a função de apagar incêndios e salvar vidas, muito pelo contrário, o papel deles é justamente iniciar incêndios e quando necessário, repreender ou até exterminar os causadores das respectivas emergências. Possuir e consumir livros, quais quer que sejam, é um crime gravíssimo para o regime totalitário, e o serviço de departamento dos bombeiros é a entidade "reguladora da moral" nessas situações. Os bombeiros são os responsáveis por destruir quais quer livros encontrado através de denuncias.

Montag lida bem com a profissão até certo dia onde ele conhece Clarisse McMclellan, uma jovem vizinha que na trama acaba sendo a responsável por "plantar o gérmen da curiosidade e do ceticismo" em Montag, indagando-o em conversas triviais sobre questões que não são comuns na sociedade, como por exemplo a "questão absurda" se Montag é realmente feliz ou apaixonado pela sua esposa?! Acontece algo ao chegar em sua casa que o deixa meio ressabiado, Montag encontra sua esposa desacordada após ingerir quase um frasco inteiro de "pilulas para dormir", então ele solicita uma unidade especial fornecida pelo Estado, para casos como esse, que são muito comuns, conforme os atendentes que salvam a vida de sua esposa Mildred, dizem para ele enquanto fazem uma lavagem estomacal junto com uma troca de sangue em sua mulher. Mildred, acorda no dia seguinte, Montag conta o que acontecera, mas Mildred não se importa muito, está mais preocupa com a programação da TV. Situação essa que deixa Montag bastante pensativo e a se indagar com coisas que antes não o preocupava.

Montag começa a perceber então que não é capaz de lembrar quando e onde foi que conhecera sua esposa Mildred, nem de responder com convicção se é uma pessoal feliz, na sociedade em que vive, onde felicidade é algo muito comum nos discursos todos. Literalmente, Clarisse faz com que Montag acabe caindo e si, fazendo-o começar a perguntar se que o que faz no seu trabalho, queimar livros é algo realmente bom para o bem geral da sociedade.

Certo dia Mildred e seu capitão Beatty contam que Clarisse havia morrido atropelada, e que ela e a família dela eram investigados pelo governo por serem questionadores demais. Outro fator determinante que o faz questionar se seu trabalho é realmente algo benéfico, é quando em serviço, Montag e seus companheiros atendem um chamado do dever, onde se veem numa situação de incendiar a casa de uma senhora com uma biblioteca clandestina, e ao tentar salvar a vida da senhora, esta se recusa, preferindo morrer queimada junto com seus livros. Aquilo se torna um absurdo para Montag, que começa a prestar atenção no mundo a sua volta, Montag sai do automático e começa a querer pensar por conta própria, porém não é algo muito simples ir na contra-mão de tudo que lhe foi imposto no regime totalitário que vive. Surge então na trama o personagem de Faber. um senhor que Montag suspeita ser um leitor, Faber é o personagem que ajuda a organizar os pensamentos de Montag, que agora passa ser perseguido por seu chefe Beatty. 

Não irie tratar aqui da história completa, pois a leitura desse livro se trata da um reflexão de como é importante se desgarrar do senso comum imposto sobre quaisquer circunstâncias. Principalmente em uma sociedade que por deliberação própria decide abolir livros/literatura de suas vidas, usando do pretexto de que livros trazem a inquietude, questionamento, aprendizado que precede desconforto, dor, reparação, lembrança de que ter consciência de si e de seus sentimentos é também um impeditivo para o prazer, de que tudo que a sociedade almeja é distrações, lazer e sobre tudo felicidade. Fahrenheit 451 tem uma trama muito inteligente e cativante. Foi um livro que gostei bastante de ler e que certamente indicarei.

Artur César
Post Scriptum
neste 04/01/2017